quinta-feira, 7 de abril de 2016

Morte "EM" vida...


Foto: Google imagens

“Um dia...Pronto!...Me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: Que me importa?
O diabo é deixar de viver.”
(Mario Quintana)

Outro dia após uma decepção no trabalho, um grande colega me perguntou: “Que falta você faria se não existisse?” e me indicou uma palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella, que deixarei aqui para todos que desejarem assistir Link: (Clique aqui para assistir). Por coincidência, nessa mesma semana, li uma postagem no Facebook que dizia efusivamente: “Os médicos dizem que NÃO, mas a Esclerose Múltipla matou a minha irmã!”. Passado o incômodo de ler um comentário desses (sem argumentação ou embasamento científico), todo esse panorama me fez refletir sobre o que venho fazendo com a minha vida e, sobretudo, sobre o que estou fazendo COM, POR, PARA, ATRAVÉS e APESAR da minha Esclerose Múltipla.

E “conversando” com esses dois autores, me vem uma pergunta: “Quando é que, de fato, deixamos de viver?” Quando temos uma vida pequena, banal, fútil, inútil, superficial e MORNA. Afinal, nós humanos vivemos uma vida muito curta para que não a honremos e a deixemos se apequenar. No Brasil, temos, em média, 75 anos de vida, dos quais dormimos cerca de um terço, ou seja, pouco tempo para que tornemos nossa existência realmente importante. Destaco que ser importante não significa ser famoso. Na minha humilde opinião, embebida em Cortella, significa estar em alguém, deixar algum legado, trocar conhecimentos, incitar mudanças, consolidar alguma OBRA! Mas, como fazer isso com Esclerose Múltipla? Acredito que cada esclerosado terá muitas respostas para essa pergunta. Eu, particularmente, sigo com a vida, dia após dia, normalmente, brigando com a doença, que evidentemente, me incomoda, mas que JAMAIS me acomodará.

Vida é partilha, mas, infelizmente, a sociedade atual tem uma lógica extremamente predatória e egocêntrica, que nós esclerosados bem conhecemos. Somos vítimas dela toda vez que um amigo, familiar, chefe se afasta ou nos julga, abarrotados de preconceitos. Me lembro que no período do meu diagnóstico, que coincidiu com minha formação em Biologia (lá se vão 8 anos), o lema da minha turma foi: “Cada um por si e Darwin contra todos.” Apesar de nunca ter concordado com essa visão individualista, deveras, ela refletia o que éramos: um bando de jovens iniciando a vida profissional, contaminados por uma competitividade doentia, pensando no melhor para si próprios e para uma meia dúzia de amigos, escolhidos a dedo. É no sentido de partilhar de coração, sem preconceitos e verdadeiramente, que escrever, conversar, trocar conhecimentos e “militar” pelos direitos de todos quem têm EM me fazem sentir-me mais VIVA e FERVENTE. Vocês já pensaram o que os fazem sentir assim? Talvez, ao tentar responder essa pergunta, cada um de nós comece a dar sentido à vida, que, além de curta, é ÚNICA.

Pensar numa vida que é curta, única e imprevisível, na qual as únicas certezas são que existe um início e um final, é tema bastante complicado para a maioria dos humanos, visto que nos obriga a aceitar a nossa condição de MORTAIS. Pensar a mesma coisa com uma doença crônica, neuroinflamatória, incurável e, em alguns casos, bastante progressiva, é tarefa ainda mais complexa. Ademais, se pararmos para refletir friamente, o ser humano é o único ser vivo que tem consciência de que irá morrer, e tal consciência traz um misto de sentimentos, além da responsabilidade de pensar em “qual é a sua/nossa obra? O que iremos deixar?” Dizem por aí que se deve viver um dia de cada vez. Costumo dizer que, no caso da EM, vivo um segundo de cada vez, tentando manter a coragem e disposição. Vou construindo minha vida momento a momento, tentando não pensar no dia em que ela irá acabar, ou, quando um novo surto ou sequela, ou sintoma virão. Tento me manter focada numa frase de que gosto muito, de David Herbert Lawrence, presente num filme que mostra uma história bárbara de superação e luta contra discriminações: "Eu nunca vi algo selvagem ter pena de si mesmo, um pássaro cairá morto de um galho sem jamais ter sentido pena de si mesmo”.

Independente de odiarmos, negarmos ou aceitarmos a condição de ter Esclerose Múltipla, tal existência permanecerá presente em nossas vidas (até que, quem sabe, se ache a cura). Então, se posso escolher entre sorrir para mim mesma e “sambar na cara da doença”, ou deixar que ela me deprima, me domine e cresça; certamente, fico com a primeira opção. Alguns podem se perguntar: se a morte é inevitável (com ou sem EM), por que enveredar numa luta insana contra essa doença? Por que você apenas não se diverte com a vida? Sei que um dia eu morrerei e todos vocês também (talvez de EM, talvez de velhice ou de qualquer outra coisa). Lembro que um dia entrei no consultório do meu neurologista desesperada, em surto e sem sentir as pernas, e ele disse com a maior calma do mundo: “Liane, sinto muito, você está morrendo. Todos nós estamos, porque viver mata.” Mas, cá entre nós, eu NÃO QUERO IR EMBORA!! E então?

Venho aprendendo que existe apenas um único jeito de ficar neste mundo: “e é fazendo falta! Pois morrer é ser esquecido!” Enquanto conseguirmos ser lembrados pela vida que vivemos, por menores que sejam as lembranças, estaremos totalmente vivos. Enquanto formos recordados (trazidos de novo ao coração), significa que, de alguma forma, alguém se importa (traz para dentro) conosco. NÓS FICAMOS EM NOSSAS OBRAS! AFINAL, NÃO PODEMOS SER IMORTAIS, MAS PODEMOS SER ETERNOS! Mas, como ser assim com EM? EU DIRIA QUE SENDO, E PONTO FINAL! Como se não houvesse doença! Já dizia Albert Schweitzer que “A tragédia do homem é o que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo." E nesse ponto, ressalto: quanta gente leva uma vida rasa e não tem a metade das limitações que nós, esclerosados, temos? Quantas pessoas fazem o mínimo e são “mais ou menos”, por opção? Essas pessoas morrem em VIDA, apodrecendo pela cabeça e, por vezes, nem pensam sobre a inexistência ou pequenez de sua obra! Elas vivem a vida no automático, “envelhecem” e acham que estão prontas e que não precisam aprender mais nada. Por isso, lhes convido a fazer o que forem capazes cotidianamente, e refletirem sobre quais são as suas obras?

Se é capaz de trabalhar? Trabalhe!
Se é capaz de cozinhar marmitas para mães de baixa renda? Cozinhe!
Se é capaz de dar conselhos sobre EM e sobre a vida ? Dê!
Se é capaz de se expressar com palavras? Fale ou escreva!
Se é capaz de sorrir diante dos problemas e da vida? Sorria!
Se é capaz de ouvir os problemas dos outros no ônibus e na vida? Ouça!
Se é capaz de ser bom filho, pai, cônjuge, amigo? Seja!
Se é capaz de cuidar do meio ambiente? Cuide!
Se é capaz de andar? Ande!
Se é capaz de dançar? Dance!
Se é capaz de pintar, fazer esculturas, cantar? Faça arte!
Se é capaz de cuidar de animais? Adote quantos puder!
Se é capaz de doar fortunas? Doe, pois é preciso!
Se é capaz de doar seu tempo em grandes iniciativas? Doe, pois também é essencial!

Mas, se você APENAS se acha capaz de ser você mesmo, ser individual, doente e recluso, reflita!

NADA é apenas algo em si! Todo real é relacional, já dizia Bourdier! Além disso, cada atitude de um ser é como uma jogada no jogo da vida e do mundo (já falava Norbert Elias). Cada passo que se dá pode gerar infinitas possibilidades, não só para o dono da jogada, como para todos e TUDO que o cercam! Tenho tentado, dia após dia, me imaginar e viver partilhando conhecimento e energia com o mundo.

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (Guimarães Rosa), sendo a única “coisa que se leva da vida a vida que se leva” (Barão de Itararé). O tempo que se tem é o agora. Então, que aproveitemos as oportunidades para que no futuro não haja arrependimentos de não termos “podido, quando devíamos, porque não quisemos quando pudemos” (François Rabelais). E, se ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, QUALQUER UM pode recomeçar e fazer um novo fim (Chico Xavier), almejando que a viagem seja “longa” e plena e o “desembarque” seja rápido e tranquilo como um sopro! (saudação Árabe)

E, por fim, aqui vão as lições mais importantes que venho aprendendo com/na/da/para/pela vida: Se após refletir, você ainda se achar APENAS capaz de ser você mesmo, SEJA VOCÊ!
Foto: Paula Cordeiro

Mas... 1) No melhor estilo americano, busque ser o melhor que puder! Não o melhor do mundo, mas, o seu melhor (I WILL DO MY BEST!), enquanto luta por condições melhores, paralelamente; 2) Tenha uma vida boa e plena, para que a morte seja igual! Ame a vida, as pessoas e o mundo, pois quem ama cuida e não desiste! Divida, se doe, ore, trabalhe e sorria. Pois na hora de se despedir da vida, são essas coisas que nos fazem falta! E 3) Por mais difícil que seja, debata, discorde, discuta, mas não resmungue, pois enquanto estamos amaldiçoando o escuro, poderíamos acender uma vela.

DIGO ISSO PARA TODOS, PARA OS QUE TÊM ESCLEROSE MÚLTIPLA E, ESPECIALMENTE, PARA MIM! SE AS PERNAS NOS FALTAREM, VOEMOS...


LIANE MOREIRA


16 comentários:

  1. Perfeito Liane, parabéns pelo texto, pelas referências e diria a você que és uma daquelas pessoas que ao ganhar um limão, foi a luta, arrumou outras frutas e abristes uma casa de suco.

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    1. Obrigada de coração Wilson!! Mas, na arte de abrir a casa de sucos, sou apenas uma aprendiz sua e da Izildinha!! Vocês são grandes guerreiros! Força, foco e fé!

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  2. Amei o texto..estava arrasada pelo fato de ontem iniciar medicação, pq justo as pernas começaram a me faltar!!! Obrigada pelo incentivo. E que Deus continue usando seus anjos para nos inspirarem..abraços!!

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    1. Obrigada de coração!! Fico feliz em poder ajudar de alguma forma. Mas, ainda estou aprendendo dia após dia! É uma luta diária e constante. Força, foco e fé para TODOS nós!

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  3. Oieeeee amiga!
    Quanta força e verdade em suas palavras............gratidão!!!
    Eu aprendi a não lutar contra a EM. Aprendi a fazer meu dia diferente disso:
    - Eu me amo e me apoio!! Simples Assim!!

    A realização que agir assim me traz: SOU APAIXONADA PELA VIDA!

    Sempre digo: A EM já tá aqui, então o que eu preciso e saber como lidar com ela.

    Como faço: Faço tudo de dentro pra fora .. resumindo........só o amor me constrói e assim construo uma vida onde a EM é mero detalhe, como também é, tomar 1 injeção diária e descobri que é igual a ir no banheiro, porque se for ou não for a merda já tá feita, então se não lambuzar melhor!!

    Positividade e bom humor curam ...........diariamente!!!

    Beijo no coração

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    1. Suzete, amiga!! Assim como o Wilson, você é uma grande guerreira e um dos meus maiores exemplos!! Continue se amando!! Eu também te amo e admiro!! Força, foco, fé e positividade para todos nós!

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  4. Parabéns pela dedicação e texto.
    Obrigado, me ajudou a refletir o meu momento atual.

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    1. Oi Alex, fico feliz em poder ajudar. Sei que ainda é pouco, mas é um pouco pro qual, eu de fato, me dedico e é algo que EU AMO fazer e que me faz MUITO BEM! Força, foco e fé para todos nós!

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    1. Oi Dare, fico feliz que tenha gostado. Sei que o que faço ainda é MUITO POUCO. Mas, faço com todo o AMOR do mundo. Força, foco e fé para todos nós!

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    2. Quando teremos mais?

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    3. Imagina. Vc pensa que é pouco, mas o que faz é muito interessante.

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    4. #Juntossomosmaisfortes #avidavememondas #integraçãomultipla

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  6. Muito bom texto. Mas o que fazer quando a EM realmente mata? O que eu faço pra conseguir encarar a vida sem a minha irmã?

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    1. Cara Miguelita Juan, demorei a te responder, mas não queria ser leviana com você! De fato só você pode saber como lidar com isso! Só você aos poucos pode aprender a levar e CERTAMENTE, não é FÁCIL! Aprendo a levar a minha EM e a minha vida dia após dias e sugiro que você faça o mesmo, porque do contrário, não serei eu a sofre, ou o vizinho, mas você e as pessoas que com você se importam! NUNCA perdi uma irmã e não me sinto, por esse motivo, a pessoa mais indicada para te responder, porém, não foi fácil para mim ler o seu post, e olha que lido com a EM ha 8 anos! Imagino como deve ter sido aterrador para um recém diagnosticado. Outro dia, sem querer, achei um vídeo que pode servir de inspiração a você, na forma de lidar com a sua perda. Fique em paz! Segue link:

      https://www.youtube.com/watch?v=XIfuXPGcelQ

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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